FUVEST 2020 - O suplício tem então uma função jurídico-política. É um cerimonial para reconstituir a soberania lesada por um instante [...]. A execução pública, por rápida e cotidiana que seja, se insere em toda a série dos grandes rituais do poder eclipsado e restaurado (coroação, entrada do rei numa cidade conquistada, submissão dos súditos revoltados). [...]
O suplício não restabelecia a justiça; reativava o poder.
No século XVII, e ainda no começo do XVIII, ele não era,
com todo o seu teatro de terror, o resíduo ainda não
extinto de uma outra época. Suas crueldades, sua
ostentação, a violência corporal, o jogo desmesurado de
forcas, o cerimonial cuidadoso, enfim, todo o seu aparato
se engrenava no funcionamento político da penalidade.
[...]
Mas nessa cena de terror o papel do povo é ambíguo.
Ele é chamado como espectador: é convocado para
assistir às exposições, às confissões públicas; os
pelourinhos, as forcas e os cadafalsos são erguidos nas
praças públicas ou à beira dos caminhos; os cadáveres
dos supliciados muitas vezes são colocados bem em
evidência perto do local de seus crimes. As pessoas não
só têm que saber, mas também ver com seus próprios
olhos. Porque é necessário que tenham medo; mas
também porque devem ser testemunhas e garantias da
punição, e porque até certo ponto devem tomar parte
nela.
Michel Foucault, Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1983.
a) Identifique uma das práticas punitivas descritas no
texto empregadas na sociedade colonial brasileira.
b) Explique as relações entre a exibição do poder
monárquico e as punições judiciais na sociedade do
Antigo Regime europeu.
c) A participação do povo nas execuções conferia a elas
um caráter democrático? Justifique.
RESPOSTA:
a) Pelourinho: execução pública de castigos
corporais aplicados a escravos que houvessem
infringido determinadas condutas impostas pelo
escravismo.
Forca: execução capital em praça pública,
aplicada aos inculpados de crimes especialmente
graves, como o de lesa-majestade.
Cadafalso: estrado elevado utilizado para a
execução pública de castigos físicos, capitais ou não.
b) As punições físicas impostas pelo Antigo Regime
tinham caráter exemplar, alcançando simultaneamente três objetivos, todos relacionados com a
demonstração do poder do Estado: função
punitiva, afirmação do poder instituído e soberania
do Estado no território sob sua jurisdição.
c) Não, pois a presença de uma assistência de
populares tinha apenas as funções de intimidar os
súditos do Estado e afirmar o poder das
autoridades. Outrossim, pode-se considerar que a
cerimônia punitiva não tinha caráter democrático,
pois reduzia o povo à mera condição de
expectador.
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