O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-lugar. A cidade, por exemplo, produz-se e revela-se no plano da vida e do indivíduo. Este plano é aquele do local. As relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos do uso, nas condições mais banais, no secundário, no acidental. É o espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido através do corpo.
Como o homem percebe o mundo? É através de seu corpo, de seus sentidos que ele constrói e se apropria do espaço e do mundo. O lugar é a porção do espaço apropriável para a vida – apropriada através do corpo – dos sentidos – dos passos de seus moradores, é o bairro, é a praça, é a rua, e nesse sentido poderíamos afirmar que não seria jamais a metrópole ou mesmo a cidade lato sensu a menos que seja a pequena vila ou cidade – vivida/conhecida/reconhecida em todos os cantos. Motoristas de ônibus, bilheteiros, são conhecidos-reconhecidos como parte da comunidade, cumprimentados como tal, não simples prestadores de serviço. As casas comerciais são mais do que pontos de troca de mercadorias, são também pontos de encontro. É evidente que é possível encontrar isso na metrópole, no nível do bairro, que é o plano do vivido, mas definitivamente não é o que caracteriza a metrópole.
[…]
Por outro lado a metrópole não é “lugar”, ela só pode ser vivida parcialmente, o que nos remeteria à discussão do bairro como o espaço imediato da vida das relações cotidianas mais finas – as relações de vizinhança, o ir às compras, o caminhar, o encontro dos conhecidos, o jogo de bola, as brincadeiras, o percurso reconhecido de uma prática vivida/ reconhecida em pequenos atos corriqueiros e aparentemente sem sentido que criam laços profundos de identidade, habitante-identidade, habitante-lugar. São os lugares que o homem habita dentro da cidade que dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida, onde se locomove, trabalha, passeia, flana, isto é, pelas formas através das quais o homem se apropria e que vão ganhando o significado dado pelo uso. Trata-se de um espaço palpável – a extensão exterior, o que é exterior a nós, no meio do qual nos deslocamos.
Nada também de espaços infinitos. São a rua, a praça, o bairro – espaços do vivido, apropriados através do corpo – espaços públicos, divididos entre zonas de veículos e a calçada de pedestres, dizem respeito ao passo e a um ritmo que é humano e que pode fugir ao do tempo da técnica (ou que pode revelá-la em sua amplitude). É também o espaço da casa e dos circuitos de compras, dos passeios etc.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH, 2007. p. 17-18
Nenhum comentário:
Postar um comentário