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domingo, 10 de abril de 2022

A cidade digital

Nossa vida e nossas cidades estão sendo e serão cada vez mais marcadas pelo advento de redes eletrônicas como a internet. São mudanças que possivelmente darão origem a um novo urbanismo, tamanho o impacto que o mundo digital tem sobre o mundo físico. Está surgindo novo tipo de cidade, onde se destacam certas porções de “quarteirões inteligentes”, locais densamente ocupados e abundantemente interligados por uma caríssima infraestrutura de telecomunicações digitais, segundo William J. Mitchell, diretor da Escola de Arquitetura e Urbanismo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e autor do visionário livro City of bits.

O primeiro impacto tem sido alterações na distribuição espacial das atividades econômicas e sociais. As novas e mais flexíveis formas de produção, marketing e distribuição de bens e serviços acabarão por eliminar os padrões tradicionais de estabelecimento do comércio, da indústria e dos prestadores de serviço dentro da cidade. Analisando a questão, Mitchell lembra que, para os indivíduos, isso implica mudanças de local de trabalho, transformação da qualidade e do custo de vida de determinados lugares e maior ou menor dificuldade para ter acesso aos produtos ou tarefas de que necessitam. Para os arquitetos e planejadores, é o desafio de conceber novos locais para as atividades econômicas, sem descuidar das necessidades dos cidadãos, como empregos e serviços sociais. E, para os políticos e administradores públicos, a questão maior é como atender a demanda de infraestrutura gerada pelas transformações.

Isso está criando um vasto mercado virtual para o trabalho, os serviços e os bens, dando aos vendedores condições de atingirem potencialmente mais compradores, ao mesmo tempo em que se dá potencialmente aos compradores mais oportunidades de escolha, preços mais vantajosos e informações mais detalhadas. Ao mudar os sistemas de distribuição, a nova realidade está igualmente transformando os lugares de consumo. E, ao suportar interações em tempo real por sistemas de telecomunicações, está produzindo e sustentando comunidades virtuais que, apesar de dispersas, têm práticas, linguagens e culturas de interesse comum.

Quando caracteriza as cidades do século XXI como sistemas interligados e interativos, Mitchell não se refere apenas aos lugares densamente conectados. “Vamos encontrar interação e conexão também na escala das roupas, cômodos, construções, campi, bairros, regiões metropolitanas e infraestruturas globais.”

Mitchell lembra que as atividades suportadas por qualquer cidade definem sua infraestrutura e acabam marcando sua personalidade. Na Roma Antiga, a construção dos aquedutos não apenas resolveu o problema do suprimento da água, mas também estabeleceu o limite entre os territórios sanitários e os não sanitários. Quando a Revolução Industrial trouxe gás e redes de energia elétrica, as cidades se iluminaram e puderam estender suas atividades para a noite e, depois, a madrugada. “A calefação, o encanamento de água quente e os dutos de ar-condicionado permitiram criar centrais de energia dentro dos prédios e tornaram a vida urbana mais confortável.” E Alexander Graham Bell abriu o caminho para um mundo de lugares conectados.

Para Stephen Graham, professor da Universidade de Newcastle (Inglaterra), a cidade e a telemática são hoje amálgamas que interagem. A cidade é a concentração física que ajuda a superar as restrições de tempo minimizando as limitações de espaço. As telecomunicações, por sua vez, superam as restrições de espaço pela minimização do tempo, interligando pontos distantes à velocidade da luz. Disso resultaria uma vida urbana mais volátil e acelerada, mais incerta, mais fragmentada e mais difícil de entender. Ao mesmo tempo, a economia globalizada adota as grandes cidades como centros de controle, sem, contudo, estancar a tendência paralela de descentralização dos serviços de rotina para fora das metrópoles. Em função dessas mudanças, Graham considera que as grandes áreas urbanas são, fundamentalmente, “centros de troca de informações”.

A revolução digital nos obriga a reinventar os espaços públicos, os bairros e as cidades. As transformações, é claro, não ocorrem de uma única vez, nem tampouco atingem todo território e mesmo toda população. Toda mudança gera conflitos e cria privilegiados, mas sobretudo excluídos, em especial no início. Com o decorrer do tempo, as diferenças tendem a encurtar-se. Talvez a nova realidade incentive formas de relacionamento e outros padrões sociais que elevem nossa qualidade de vida. “O resultado poderá ser prédios mistos de moradia e trabalho, bairros 24 horas, ‘vizinhos’ virtuais e produção e distribuição descentralizadas”, segundo Mitchell. “Temos que aprender a construir ‘e-topias’, ou seja, cidades eletrônicas, interconectadas global mente, para a alvorada do novo mundo.” Ele não gosta, contudo, de ser considerado mais um tecnotriunfalista ou profeta do ciberespaço. “Nossa tarefa é desenhar o futuro que queremos, e não adivinhar seus caminhos predeterminados.”

Com a nova realidade, o lugar já não é mais um imperativo – basta que o local esteja eletronicamente interconectado. O lugar de trabalho, por exemplo, pode ser a residência. Isto é, pode voltar a ser a casa, como já aconteceu no passado, antes da Revolução Industrial. Essa transformação já está acontecendo em muitos lares, exigindo de arquitetos e decoradores novas concepções de espaço, ambiente e infraestrutura de serviços. Crescem também os serviços de entrega em domicílio, um conforto para quem tem a casa como o centro nervoso de tudo. O que não significa, em absoluto, que os tradicionais lugares de trabalho, como os escritórios, por exemplo, estejam com os dias contados. [...]

MORENO, Júlio. O futuro das cidades. São Paulo: Senac, 2002. p. 99-100. (Ponto Futuro 11.)

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