Inúmeras foram as divergências entre os europeus quanto à questão indígena nos primeiros anos de colonização. O testemunho desse embaraço ficou registrado na ampla, complexa e contraditória legislação lusitana a respeito do gentio, personagem sujeito à escravidão nas primeiras leis portuguesas, mas poupado de tamanha violência com o decorrer dos séculos, pelo menos na lei. Como o jogo de interesses em torno da questão indígena era amplo, as críticas à legislação régia partiam de inúmeras áreas coloniais, entre as quais se destacavam as regiões de São Paulo e Maranhão, locais nos quais houve conflitos entre colonos e jesuítas por causa da escravização dos nativos.
Enquanto os religiosos estabeleciam as missões que evangelizavam os índios, os colonos queriam utilizá-los nas fazendas como mão de obra cativa. Deve-se lembrar de que, no século XVII, devido às invasões holandesas, em especial, ocorreram graves problemas de mão de obra na América Portuguesa. No caso maranhense, a crise levou à expulsão da Companhia de Jesus, em 1661, por causa da oposição à transformação do índio em escravo. A presença dos jesuítas na região foi retomada apenas em 1680, quando o governo português declarou ser totalmente proibida a utilização dos indígenas, também chamados no período de “negros da terra”, como mão de obra forçada, tendo os religiosos a jurisdição espiritual e temporal das aldeias indígenas.
Para solucionar o problema da falta de abastecimento de escravos, a metrópole criou a Companhia de Comércio do estado do Maranhão, em 1682, que tinha as funções de fornecer escravos, vender manufaturas europeias e comprar os produtos coloniais, durante um período de 20 anos. Esse monopólio comercial da Companhia permitiu uma série de abusos, como os exorbitantes preços cobrados na venda das mercadorias europeias, além dos baixos preços pagos pela compra de baunilha, cacau, pau-cravo, cana-de-açúcar, algodão e tabaco. A situação tornou-se insustentável quando se explicitou a incapacidade da Companhia em garantir o abastecimento dos 500 escravos anuais, conforme havia sido acordado com os colonos.
Insatisfeita com essa situação, parcela do clero, junto aos fazendeiros abastados, resolveu apoiar, em 25 de fevereiro de 1684, a revolta liderada por Manuel Beckman, rico fazendeiro que conseguiu tomar o governo do Maranhão, expulsando os jesuítas e abolindo a Companhia de Comércio. Foi enviado para Portugal Tomás Beckman, irmão do líder da revolta, que deveria informar ao rei as principais exigências dos rebelados à metrópole. No entanto, Tomás foi preso ao expor suas ideias à Coroa. O rei português enviou um novo governador para o Maranhão, Gomes Freire de Andrada, que conseguiu restabelecer a ordem, perseguindo o fugitivo Manuel Beckman, que, após ser delatado por seu sobrinho, foi preso e enforcado. O governo português permitiu o retorno dos jesuítas e restabeleceu a Companhia de Comércio do Maranhão, acabando, porém, com o monopólio que ela detinha.
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