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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

As linguagens e o ordenamento do mundo

Os signos, articulados entre si a partir de determinada lógica, formam sistemas, isto é, linguagens, que são formas de comunicação produzidas pelas sociedades humanas. Vamos tomar como exemplo a frase do escritor mineiro João Guimarães Rosa, em seu livro Grande sertão: veredas: “Viver é um descuido prosseguido”. Para compreender o sentido dessas palavras, é preciso interpretar cada signo e extrair o sentido da frase segundo as regras gramaticais e semânticas da língua portuguesa.

A palavra viver não é apenas um som ou uma grafia, mas um signo cujo sentido é estabelecido pelo sistema linguístico da língua portuguesa. Nele, a expressão viver é um verbo que significa, entre outras coisas, “existir”. Descuido significa “falta de cuidado” ou “negligência”, e remete à ideia de “perda”, pois quem não cuida corre o risco de perder aquilo que deveria ter sido cuidado. Prosseguindo é o mesmo que “continuando”. Uma possível interpretação dessa frase seria: existir é um risco, pois a qualquer momento pode-se morrer; então, viver é um risco contínuo.

Repare que, para explicar o sentido de uma sentença ou palavra, isto é, o sentido de signos, utilizamos outros signos. Interpretamos o verbo viver como uma variante de “existir”; o substantivo descuido como o equivalente a “falta de cuidado”, que pode levar à experiência da “perda”; prosseguido com o mesmo sentido de “continuado” etc. Assim funcionam os dicionários: a definição de um signo é feita por meio de outros signos.

A linguagem não é apenas um canal de comunicação, mas também uma forma de ordenamento do mundo e da realidade. Quando uma pessoa utiliza o conceito gato, por exemplo, está classificando as coisas que existem no mundo em pelo menos duas categorias: as que são gatos e as que não são. Se apenas uma palavra ou signo pode estabelecer classificações desse tipo, imagine as possibilidades que um conjunto de palavras e suas infinitas combinações são capazes de propiciar. Com a linguagem, um mundo incessantemente criativo, mágico e ordenador se abre pelo ser humano e para ele.

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