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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Inconfidência Mineira (Minas Gerais, 1789)

O movimento da Inconfidência Mineira não pode ser compreendido sem que esteja relacionado com a situação econômica de Minas Gerais no período da revolta. Na segunda metade do século XVIII, a região já apresentava sinais de decadência devido à redução da quantidade de ouro extraído, fato que deixou os grandes mineradores sob pressão, já que estes estavam, em grande parte, endividados com a Coroa portuguesa. Em meio à elite de Vila Rica, encontravam-se pessoas letradas, que conheciam as ideias iluministas divulgadas nas universidades europeias. Informados da Independência dos Estados Unidos, ocorrida no ano de 1776, esses membros da elite começaram a planejar uma possível ação semelhante na colônia portuguesa, numa nítida reação contra os abusos metropolitanos. Alguns estudantes já haviam sondado Thomas Jefferson, um dos redatores da Declaração de Independência americana, então embaixador americano na França, quanto à possibilidade de os Estados Unidos apoiarem uma revolta no Brasil. Além da conversa entre José Joaquim Maia e Thomas Jefferson, merece destaque a busca de apoio de José Álvares Maciel junto aos comerciantes ingleses para uma possível rebelião em Vila Rica.

Assim, o pensamento sobre a ruptura frente a Portugal foi se constituindo através do exemplo bem-sucedido dos Estados Unidos e do contato com os princípios iluministas e liberais que exortavam o homem à liberdade, servindo, assim, de arcabouço intelectual para os colonos.

Como é perceptível, já que o movimento da Inconfidência teve o apoio de mineradores, de estudantes da elite e de alguns membros da classe média, seu caráter foi elitista, ou seja, não havia preocupação com a melhoria de vida da população mais pobre, muito menos com a da grande massa de escravos. As mudanças desejadas pelos inconfidentes se restringiam ao âmbito político e econômico, estando as questões sociais a ocupar um local periférico. Entre os principais líderes, estavam os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, os padres José de Oliveira Rolim, Carlos Correia de Toledo e Melo e Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire Andrade, os coronéis Domingos de Abreu e Joaquim Silvério dos Reis e o alferes Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes. Este último foi o articulador da sedição junto aos setores populares, visto que possuía menor condição econômica e era mais próximo da população.

Como o movimento da Inconfidência não se concretizou, é difícil estabelecer com plena fidelidade as principais propostas da revolta, sendo apenas conhecidas as que foram expostas por alguns inconfidentes nos autos da devassa. Entre os objetivos, estava a separação apenas da capitania de Minas Gerais, apesar do contato de lideranças do movimento com setores da vida política de SP e RJ, formando uma República que teria como base a Constituição dos Estados Unidos. Além disso, seria criada uma universidade em Vila Rica, e a capital da nova nação teria sede na cidade de São João del Rei. Os inconfidentes incentivariam a formação de indústrias e a participação no Exército seria obrigatória; a nova nação teria uma bandeira com o escrito em latim: Libertas quae sera tamen, que significa “Liberdade ainda que tardia”. Quanto à questão da escravidão, não havia a intenção dos inconfidentes de libertarem os cativos, já que parte dos envolvidos no levante era senhores de escravos. O único compromisso de que se tem notícia nesse sentido é a liberdade dos escravos e mulatos nascidos no Brasil.

Com a chegada do novo governador das Minas, visconde de Barbacena, a tensão na capitania aumentou ainda mais, já que era conhecida a ordem do rei de Portugal de se declarar a derrama, ou seja, o confisco de ouro até se atingir a quantidade de 100 arrobas estabelecida pela Coroa portuguesa. Junto com a cobrança da derrama, seria realizada a cobrança de outras dívidas que houvesse entre os mineradores e o governo português.

Assim, aproveitando o clima de tensão, os inconfidentes estabeleceram o seguinte acordo: no dia em que fosse decretada a derrama, seria aproveitado o cenário de insatisfação e de revolta para dar início à insurreição. Porém, os inconfidentes não contavam com uma traição: Silvério dos Reis, membro participante da Inconfidência, resolveu entregar uma lista dos traidores em troca do perdão de sua dívida com a Coroa portuguesa. O visconde de Barbacena deu por suspensa a derrama e prendeu os envolvidos. Como foram pegos de surpresa e possuíam limitada capacidade de organização e mobilização, todos negaram a participação no movimento. Apenas Tiradentes, que estava no Rio de Janeiro, assumiu a participação. Após a maioria dos delatados ter sido condenada à morte, D. Maria I, rainha de Portugal, resolveu substituir a pena capital pelo envio dos condenados para o degredo na África. Já para Tiradentes, por ser o mais pobre entre os inconfidentes e, para servir de exemplo, foi mantida a condenação à morte por enforcamento. Tiradentes foi então executado no Rio de Janeiro e seu corpo esquartejado e espalhado pela estrada de Minas. Sua casa foi derrubada e a terra foi salgada, prática comum da época. Sua cabeça foi exposta na praça central de Vila Rica.

Dois elementos da Inconfidência Mineira são fundamentais. Em primeiro lugar, cabe observar que, apesar de a tentativa de sedição ter ocorrido no ano da Revolução Francesa (1789), esta não influenciou os fatos ocorridos em Vila Rica, cabendo a influência externa apenas às ideias iluministas e liberais e à Independência dos Estados Unidos, o que nos permite afirmar que a Inconfidência foi uma utopia americana, de acordo com o historiador Kenneth Maxwell. Em segundo lugar, a imagem mítica de Tiradentes, tratado como herói do movimento, só foi construída positivamente no contexto da Proclamação da República, quando a historiografia brasileira carecia de um mártir para o movimento republicano nacional. No período anterior, orientado pelos anseios de um regime monárquico, a imagem de Tiradentes fugia desse referencial heroico, sendo ele tratado com desdém e com desinteresse pelos primeiros historiadores do Brasil.

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