Leia os textos a seguir. Nos principados completamente novos, onde há um novo príncipe, existe maior ou menor dificuldade para mantê-lo, conforme seja maior ou menor a virtú de quem o conquistou. Aquele que depende menos da fortuna consegue melhores resultados. Consideremos Ciro e os demais conquistadores ou fundadores de reinos: acharemos todos admiráveis. Examinando suas ações e suas vidas, veremos que não receberam da fortuna mais do que a ocasião, que lhes deu a matéria para introduzirem a forma que lhes aprouvesse. E sem a ocasião a virtú de seu ânimo se teria perdido, assim como, sem a virtú, a ocasião teria seguido em vão.
Adaptado de: MAQUIAVEL, N. O Príncipe, capítulo VI. 2.ed. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 24.
Como a vida de um príncipe não é duradoura, o Estado inevitavelmente se arruinará logo que a virtú deste vier a faltar. Disto decorre que os reinos, cuja sorte depende da virtú de um único homem, são pouco duráveis, porque aquela virtú se extingue com a morte deste e, raras vezes, acontece que seja recuperada pelo seu sucessor.
Adaptado de MAQUIAVEL, N. Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio. Livro I, capítulo XI. 3. ed. rev. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora UnB, 1994. pp. 58-59. Com base na leitura dos textos de Maquiavel, disserte sobre o significado da virtú na ação política do príncipe diante das vicissitudes da fortuna.
RESPOSTA:
Em O Príncipe, ao dedicar sua atenção à análise dos principados novos, Maquiavel nos remete à importância da virtú
e seu confronto com os caprichos da fortuna na política. Essa relação virtú-fortuna constitui o lugar por excelência
para interpretar o pensamento maquiaveliano sobre a manutenção do poder do príncipe e a segurança do Estado
diante da instabilidade do mundo e da condição humana. A virtú, cuja compreensão se apresenta desvinculada de
uma hierarquia a priori de valores e virtudes morais elevados segundo modelos tradicionais de legitimação, determina
a ação política do governante no enfrentamento das vicissitudes da realidade (a fortuna) tendo em vista resultados
que assegurem seu propósito de conservar o poder conquistado e evitar as armadilhas que corroam sua reputação e
reconhecimento pelo povo (honra e glória). Assim, de um lado, por essa orientação pragmática, a noção de virtú implica
compreender a ação política determinada por uma racionalidade instrumental. O príncipe deve usar todos os meios
necessários para a eficácia da ação. Por sua vez, para Maquiavel, a ação política move-se sempre na mutabilidade e
na transitoriedade de uma realidade marcada por incertezas e conflitos de interesses. Nesse sentido, de outro lado, a
noção de virtú implica conceber que a política transita no domínio da contingência. O príncipe, pelo contínuo exercício
da virtú, deve estar preparado para alterar sua conduta quando os ventos da fortuna e a variação das circunstâncias
o forçam a isso. O sucesso do príncipe não depende da virtuosidade de seu caráter ou da hereditariedade a que
pertença por uma eventual linhagem. Tampouco submete-se ao determinismo da sorte. Para alcançar o propósito
de manter seu domínio, não basta a força que lhe permitiu conquistá-lo. É preciso que o príncipe possua a virtú: a
capacidade de controlar e de antecipar os efeitos da fortuna, isto é, enfrentar e aproveitar as circunstâncias concretas
que se lhe apresentam na arena política, de modo a interferir nelas, como lhe aprouver, forjando a ocasião e atuando
na necessidade.
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