Considere os trechos da entrevista concedida pelo pesquisador indígena Daniel Munduruku
“Eu não sou índio, não existo no Brasil. [...] No dia 19 de abril, a gente comemora um equívoco, porque se esconde a diversidade de povos que existem no Brasil. Cada povo cria seu modo de estar no mundo a partir da cultura, que é alimentada pela língua que ele fala. E cada povo tem suas tradições, sua crença, cultura, política e economia. Nós aprendemos que só existe a língua portuguesa por aqui né. Mas no Brasil existem 307 línguas muito antigas e diferentes entre si. E a língua é uma leitura de mundo. Quando a gente generaliza e diz que “o índio chama casa de oca”, imediatamente a gente está esquecendo que oca é apenas um jeito de falar. E essas línguas são tão diferentes entre si quanto o português é diferente do chinês.”Disponível em: http://www.nonada.com.br/2017/11/daniel-munduruku-eu-nao-sou-indio-nao-existem-indios-no-brasil/. Acesso em: 03 fev. 2020.
a) Conforme o texto, cite e explique duas formas de violência simbólica contra a população indígena no Brasil.
b) Explique de que maneira o conceito de violência simbólica estaria relacionado ao conceito de etnocentrismo.
RESPOSTA:
a) A população nativa nacional (indígena) é comumente retratada como selvagem. Essa imagem/expressão revela distorção intencional da forma
de sociabilidade desses povos, demonstrando um desrespeito, uma hierarquização simbólica entre sociedades, conferindo “status” aos
pretensamente civilizados diante dos povos tidos como “primitivos”, escancarando a violência simbólica sofrida pelo elemento nativo.
Outra violência simbólica aplicada aos povos nativos é o estereótipo de sua indisposição para o trabalho. Retratados como preguiçosos por não
se renderem à forma de trabalho do branco europeu colonizador, sobre nossos nativos repousa a narrativa de resistentes à labuta, fato
distorcido, pois a população indígena realiza trabalho fora da égide do acúmulo, produzindo para subsistência e em respeito ao meio ambiente,
não discernindo trabalho de outras atividades realizadas por eles, como as artísticas e ritualísticas.
O candidato podia se apoiar no texto e retratar à questão linguística como um exemplo de violência simbólica, pois claramente aqueles que
possuem domínio do português dicionarizado, formal e considerado culto depreciam formas de linguagens consideradas coloquiais e populares
que demonstram regionalismo, como uso de gírias ou expressões indígenas. Esse desdém com essas formas de linguagem também é exemplo
de violência simbólica.
b) O conceito de “violência simbólica” ganhou notoriedade nas obras do sociólogo Pierre Bourdieu. Ele alerta que a violência não existe só na
sua dimensão física, ela também opera na dimensão cultural, ou seja, simbólica. Essa violência existe nas sociedades em decorrência de
empoderamento histórico de determinados agentes sociais em alguns campos sociais. Assim, no campo científico eurocêntrico que se erigiu
desde o século XVIII, temos brancos impondo sua cultura, sua forma de interpretar o mundo, às demais etnias desprezando saberes diferentes
dos seus.
Logo, a construção de uma narrativa científica, cultural e histórica por via das vitórias e conquistas dos brancos europeus impuseram aos
povos não brancos uma concepção de mundo, de economia e de vida que rebaixam elementos culturais que não atendem aos seus anseios,
exercendo sobre a cultura desses povos uma desconstrução que a invalida, minorando as formas de conhecimentos, artes, costumes, beleza e
religiosidades não europeias, revelando uma ligação visceral entre etnocentrismo e violência simbólica.
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