UNICAMP 2017 - Leia o seguinte trecho do conto “Amor”, de Clarice Lispector.
“Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles. Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar – o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mastigava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento de mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir – como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio.”
(Clarice Lispector, Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p. 21-22.)
a) Em textos de Clarice Lispector, é comum que um acontecimento banal se transforme em um momento perturbador na vida das personagens. Considerando o contexto do conto “Amor”, indique que tipo de inquietações o acontecimento narrado acima acarreta na vida da personagem.
b) A frase “olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê” sugere uma maneira pouco comum de olhar para as coisas. Explique o sentido que tem esse olhar profundo, a partir dali, na caracterização da personagem Ana.
RESPOSTA:
a) Nos contos de Clarice Lispector, é comum as personagens viverem um momento epifânico, isto é, revelador, que normalmente culmina em uma tomada de consciência. Neste
conto, isto ocorre a partir da visão do cego mascando chicles, quando a personagem desestrutura-se, desencadeando o processo de autoconhecimento.
b) Ao olhar para o cego, que não pode revidar o olhar, Ana vê-se, metaforicamente, diante
de um espelho. A partir daí, ela mergulha em si mesma, em um fluxo de consciência que a
fará deixar de ser comum, para emergir como mulher, e personagem, rica de profundidade
psicológica.
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