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terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Questão de História - UFU 2023/2 - [...] É um subúrbio de gente pobre, e o bonde que lá leva atravessa umas ruas

UFU 2023/2 - [...] É um subúrbio de gente pobre, e o bonde que lá leva atravessa umas ruas de largura desigual, que, não se sabe por quê, ora são muito estreitas, ora muito largas, bordadas de casas e casitas [...]. Há, porém, robustas e velhas mangueiras que protestam contra aquele abandono da terra. Fogem para lá, sobretudo para seus morros e escuros arredores, aqueles que ainda querem cultivar a Divindade como seus avós. Nas suas redondezas, é o lugar das macumbas, das práticas de feitiçaria com que a teologia da polícia implica. 
BARRETO, A. H. de Lima. O Moleque. In: BARRETO, A. H. de Lima. Contos completos de Lima Barreto. São Paulo: Cia das Letras, 2010, p. 143 [...] 

O Museu da República no Rio de Janeiro recebeu uma coleção histórica: 523 peças religiosas retiradas de terreiros de umbanda e candomblé entre 1889 e 1945. O material, que estava reunido em 77 caixas, ficou com a polícia por mais de 100 anos. 
Disponível em: g1.com/rj/riodejaneiro/noticia/2020/. Acesso em: jun. 2023. 

A) Lima Barreto, em seu conto “O Moleque”, ilustra as lutas de brasileiros(as) que tentavam praticar suas devoções religiosas no início da República. Apresente 2 (dois) argumentos que justificam o uso, pelo autor, da expressão “teologia da polícia”. 
B) A partir da leitura dos fragmentos acima, explique como o princípio constitucional da liberdade religiosa era vivenciado cotidianamente, no início da Primeira República, de acordo com os distintos grupos sociais.

RESPOSTA:
A) O conto “O Moleque” foi escrito por Lima Barreto no início do Século XX quando a polícia reprimia as práticas rituais vinculadas às religiões de matrizes africanas por razão de racismo. Configuradas por teorias eugenistas, que se fortaleceram naquele período, as práticas racistas estruturaram as relações políticas e sociais reproduzidas no Brasil. Outro aspecto diz respeito à ação policial contra os pobres e a população negra por meio da invasão dos territórios de práticas religiosas. Tais ações buscavam constituir domínio sob os espaços urbanos que passavam por profundas reformas estruturais. Na cidade do Rio de Janeiro, durante o governo do prefeito Pereira Passos, essas mudanças propiciaram a demolição de cortiços e a abertura de avenidas sobre os lugares de sociabilidade dos pobres. Vale também registar que a polícia era (e ainda é) utilizada pelo Estado para agir na “questão social”, ou seja, na contenção dos movimentos sociais, trabalhistas e culturais da classe trabalhadora. Naqueles anos, essas circunstâncias se legitimaram através da instauração das “leis contra a vadiagem”, elaboradas após a abolição da escravatura. Esse aparato legislativo, mantido residualmente nos “códigos de postura” atuais, buscava controlar a força de trabalho dos(as) libertos(as) e de seus(suas) descendentes por meio da repressão e da violência. Por esse veio, os lugares religiosos, assim como os de moradia, de jogos, de festas públicas, entre outros, eram (e ainda são) frequentemente assolados por diversos agentes de repressão do Estado.

B) Até 1890, o catolicismo era a religião oficial do Estado Brasileiro. As demais religiões eram restringidas a cultos domésticos (isto é, realizados de forma particular nas casas dos professantes). Além disso, no final do império, o catolicismo era subvencionado e gozava de enormes privilégios estatais. A Constituição de 1891, elaborada no início da Primeira República, marcou o rompimento entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica. Em tese, o Estado se tornaria laico e todas as religiões passariam a gozar de plena legalidade e oficialidade pública (com liberdade de expressão e de divulgação irrestrita de suas crenças). Porém, os fragmentos apresentados na questão fornecem indícios de que as religiões de matrizes africanas foram isoladas no interior de favelas e de periferias urbanas. Na prática, essas religiões foram consideradas clandestinas, tornando-se alvo de intensas buscas, aprisionamentos e apreensões por parte do aparato policial de então. Evidentemente, a Igreja Católica continuou a ser respeitada como “oficial”, mantendo absoluta presença arquitetônica nas praças e nos centros das cidades brasileiras. A irrestrita liberdade de crença atribuída ao cristianismo fez com que a Igreja Católica acolhesse em suas comunidades as categorias médias e as classes sociais mais abastadas da sociedade brasileira.

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