Cultura Angolana
"Hoje já ninguém questiona a existência da "angolanidade", que mais nâo é do que a consciência de pertença a um todo nacional, seja numa base histórico-cultural".
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Mapa de Angola |
Angola é um país pluriétnico e multicultural ("uma Nação de várias nações", como a definiu o poeta Agostinho Neto, primeiro presidente da República independente), cuja identidade se foi forjando ao longo de séculos de uma história conflituosa, feita de trocas socioeconómicas, biológicas, culturais e linguísticas entre intervenientes de muitas origens, alguns deles provindos de fora do continente.
Tudo isto conformou uma sociedade “sui generis”, mesmo no contexto dos outros países africanos colonizados por Portugal, em que coexistem povos de diferentes características e em diferente nível de desenvolvimento, mais abertos uns, sobretudo os de cultura urbana, a todas as inovações e influências vindas do exterior (aí incluída a língua portuguesa) e outros, mais confinados ao mundo rural, conservando praticamente intactas as suas tradições e formas de vida, com línguas próprias (ainda que de comum raiz bantu) e com comportamentos e práticas sociais perfeitamente diferenciáveis no quadro nacional.
É assim inevitável que as manifestações expressivas de uns e de outros se situem muitas vezes em extremos quase opostos, errando apenas quem pretenda estabelecer entre elas hierarquizações ou quaisquer outras escalas valorativas, em vez de reconhecer que nessa diversidade está a verdadeira riqueza cultural do país.
A longa guerra de libertação nacional (1961-1974) e as guerras que se seguiram à Independência do país, apesar dos dramas e do cortejo de horrores que lhes estão associados, tiveram pelo menos o mérito de concluir a já avançada destribalização do pais, fazendo circular (forçosamente, nalguns casos) povos de todas as etnias e regiões pelo país inteiro e acelerando a sua integração num todo nacional reconhecível nos seus principais símbolos - a bandeira, o hino, a unidade monetária comum - e até mesmo na língua oficial portuguesa.
Hoje já ninguém questiona a existência da "angolanidade", que mais não é do que a consciência de pertença a um todo nacional, seja numa base histórico-cultural, simbólica ou simplesmente afectiva, que implica não só o respeito pelo património comum e pelos valores, crenças e princípios da maioria dos cidadãos, mas também o respeito pela identidade e a valorização de todos os grupos parcelares que compõem a Nação angolana e suas respectivas culturas.
Uma fase importante dessa valorização consistiu, por exemplo, na fixação do alfabeto e na descrição fonética, fonóloga, morfossintática e semântica das seis principais línguas africanas de Angola - o kikongo (falado a Norte), o kimbundo (falado numa região que vai de Luanda para o interior, até Malanje), o tchokwe (falado a Leste), o umbundo (no Centro/Sul), o mbunda e o kwanyama (a Sul).
"Num quadro de grande diversidade cultural, a literatura e as artes foram-se afirmando em Angola de forma particularmente inovadora."
Num quadro de grande diversidade cultural, a literatura e as artes foram-se afirmando em Angola de forma particularmente inovadora.
A literatura angolana, cuja origem remonta a meados do século XIX, inscreve-se numa tradição intervencionista e mesmo panfletária de uma imprensa feita por naturais da terra e demarcou-se rapidamente das suas congéneres em língua portuguesa, granjeando projecção mesmo fora das fronteiras do país. Ela conheceu a maioridade em 1935, com a publicação do primeiro romance escrito por um angolano, António Assis Júnior: O segredo da morta. Algo mais tarde, Castro Soromenho - embora nativo de Moçambique - havia de fazer com Terra morta e Viragem notáveis análises das relações entre as várias etnias angolanas e os europeus.
A geração dos anos 50, em volta da revista Mensagem, fará realçar nomes como Agostinho Neto, Viriato da Cruz e António Jacinto, que deram continuidade a essa tradição de luta, pois os seus poemas foram decisivos para ajudar a conformar a consciência de gerações inteiras para a necessidade de resistência contra a dominação colonial e pela afirmação nacional.
Nos anos seguintes, autores como Óscar Ribas, Luandino Vieira, Arnaldo Santos, Uanhenga Xitu e Mário António, entre alguns outros, vão recriando uma linguagem que tornava reconhecíveis na palavra escrita modos de ser, pensar e agir que só aos angolanos diziam respeito, contribuindo para a difusão e consolidação de uma identidade própria.
Após a Independência do país, com a formação da União de Escritores Angolanos, multiplica-se a actividade editorial, revelando ou, nalguns casos, consagrando a obra dos poetas Arlindo Barbeitos, David Mestre e Ruy Duarte de Carvalho, e dos prosadores e ficcionistas Henrique Abranches, Manuel Rui Monteiro e Pepetela, que ganhou o prémio Camões, máximo galardão literário em língua portuguesa. Todos eles, a um nível de maior elaboração estética e literária, questionam os rumos do país e ajudam a forjar uma nova sensibilidade (no caso dos poetas) e a recriar uma consciência crítica do todo nacional (no caso dos prosadores).
A incipiente literatura dramática continua praticamente inexpressiva, havendo a registar desde a Independência a publicação de obras de apenas nove autores: José Mena Abrantes (12 obras), Pepetela, Domingos Van-Dúnem e Trajano Nankhova (duas obras cada um); e, com uma única obra, Henrique Guerra, Manuel dos Santos Lima, Costa Andrade, João Maimona e Casimiro Alfredo.
É, no entanto, no plano da música e das artes plásticas que a extrema diversidade da herança nacional se revela com mais intensidade. Quase todos os povos e grupos étnicos angolanos dispõem de um riquíssimo acervo de músicas e danças, que integram com naturalidade o seu quotidiano e agir social, prolongando e recriando de forma praticamente anónima tradições muito antigas. O mesmo se pode dizer da pintura mural e da escultura e estatuária artesanais.
Paralelamente, sobretudo nas áreas urbanas, muitos músicos e artistas plásticos utilizam em maior ou menor grau essas manifestações como base de inspiração para a criação de músicas e obras individualizadas, cuja influência interna e projecção internacional não cessam de aumentar. É justo referir no plano da música o trabalho pioneiro (anos 50) do agrupamento Ngola Ritmos de Liceu Vieira Dias e, no plano das artes plásticas, a partir dos anos 60, a produção de Viteix e António Ole.
Mais modernamente, continuam dignas de registo no plano musical a constância criativa e o apego às raízes de Lourdes Van-Dúnem, Kituxi e Elias diá Kimuezo, consagrado como "o rei da música angolana", a memória de uma Luanda suburbana e provocadora em Barceló de Carvalho "Bonga", a pujança de voz e a visão solidária de Rui Mingas, o resgate rigoroso de antigas sonoridades em Mário Rui Silva, o saudosismo e a ternura pelas coisas simples da vida em Teta Lando, o sentimento desencantado das novas gerações em Paulo Flores, o convívio entre a tradição e a modernidade em Filipe Mukenga, Mito Gaspar, Wyza e Carlitos Vieira Dias.
O leque não é tão vasto ao nível das artes plásticas, onde além de Viteix e Ole, símbolos maiores duma pintura moderna com raízes na tradição, apenas alguns nomes foram trilhando percursos originais, como é o caso de Jorge Gumbe, Francisco Van-Dúnem Van, Augusto Ferreira e Fernando Alvim. Existe, no entanto, a esperança de que se consolide a obra de alguns outros nomes que têm estado a afirmar-se nos últimos tempos, como Álvaro Macieira, Don Sebas Cassule, Gonga e Paulo Jazz.
No capítulo da dança, apenas Ana Clara Guerra Marques e sua Companhia de dança Contemporânea, e posteriormente a Dançarte, buscaram de forma criativa a possível coabitação entre a dança tradicional e a contemporânea, limitando-se a maioria dos outros grupos a reproduzir até à exaustão ritmos e movimentos coreográficos que se tornam monótonos e perdem o seu sentido fora dos espaços originais em que surgiram. A excepção foi durante muito tempo constituída pelo Grupo Kilandulo e pelo Ballet Nacional de Angola, que de algum modo foram procurando resgatar e preservar as danças tradicionais das várias regiões do país.
O mesmo desfasamento existiu durante muito tempo ao nível do teatro representado, o qual se limitava a transpor para o palco rituais e cerimónias, que se descaracterizavam nesse processo, ou a reproduzir as mesmíssimas situações com os mesmos personagens, quase sempre confinadas às áreas rurais e sem qualquer ligação com as vivências dos espectadores que assistiam a essas representações.
Algo tem estado a mudar nos últimos anos, com o surgimento e uma maior visibilidade de diferentes grupos, sobretudo na capital do país, mas em Angola continua a não existir teatro profissional nem condições para o materializar. Os únicos grupos, todos eles amadores, que conseguiram manter uma mínima capacidade produtiva e sobreviver para além dos dez anos de vida foram o Grupo Experimental de Teatro do Ministério da Cultura, o Oásis, o Horizonte Njinga Mbande, o Julú, o Etu-Lene e o Elinga-Teatro, quase todos eles já com uma mínima presença em festivais no exterior.
A terminar, uma referência ao cinema, cuja produção havia sido praticamente enterrada em meados dos anos 80, depois de um começo relativamente prometedor, que começou a ressurgir nesses últimos três anos com a produção de três longas-metragens. Na cidade vazia, de Maria João Ganga, O herói, de Zezé Gamboa, e O comboio da canhoca, de Orlando Fortunado, as duas primeiras vencedoras de importantes prémios internacionais. Os seus maiores cultores no passado foram Ruy Duarte de Carvalho e António Ole, já referidos quando falámos, respectivamente, de literatura e de artes plásticas.
No ano 2000, o Governo instituiu o Prémio Nacional de Cultura e Artes para premiar a excelência dos seus melhores criadores, que vem mantendo a regularidade das suas edições.
Tudo isto, é claro, sem esquecer o Carnaval, tido como uma das mais animada.