UFU 2023/2 - [...] O uso social do corpo é uma dimensão da antropologia da pessoa que assinala como socialmente construída a maneira como caminhamos, sorrimos ou rimos, olhamos, escutamos ou empreendemos muitas das funções consideradas naturais de nossos corpos. Quando duas pessoas se olham, por exemplo, há diferenças notáveis conforme a nacionalidade: os brasileiros podem olhar alguém de seu próprio sexo ou do outro sexo de forma muito direta, com contato direto entre os olhos. No entanto, em países europeus, não se deve olhar frontalmente nos olhos do outro, pois isso pode significar uma tentativa de sedução. Os brasileiros se comunicam com outras pessoas por diversas formas de contato corporal muito direto: pelo olhar, com abraços e beijos, tocando no corpo alheio para chamar a atenção – o que, por exemplo, na França, seria considerado inadequado e possivelmente interpretado como um avanço indesejado e talvez agressivo.
HEILBORN, Maria Luiza. Entre as tramas da sexualidade brasileira. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 1, p. 336, janeiro-abril/2006.
Considerando o fragmento de texto acima e as elaborações de Émile Durkheim, responda aos itens abaixo.
A) Explique como as diferenças de significado da “troca de olhares” entre diferentes nacionalidades podem ser compreendidas como parte da consciência coletiva.
B) Explique de que maneira o uso social do corpo, descrito no exemplo acima, pode ser considerado um fato social.
RESPOSTA:
A) A consciência coletiva pode ser definida como um conjunto de normas gerais, de
valores sociais que cada sociedade desenvolve e em torno dos quais organiza
sua vida coletiva, uma instância moral que se manifesta nos sistemas jurídicos,
religiosos, comportamentais e outros e que uniformiza nossos comportamentos
sociais. Os valores culturais são estabelecidos dentro de uma perspectiva entre
os vários indivíduos de uma mesma sociedade, que compartilham os controles
sociais e seus valores. Assim, cada sociedade estabelece como devemos olhar
para o outro, a forma aceita por todos como a mais educada e respeitosa, que
advém desse conjunto de ações ensinadas aos indivíduos. Logo, o modo como
trocamos olhares com as pessoas pode ser compreendido como parte da
consciência coletiva, na medida em que somos educados a nos comportar com
base em determinados valores comuns ao nosso grupo social e que uniformizam
nossos comportamentos, estabelecendo valores gerais aceitos como padrão ou
norma de educação. Estes padrões são distintos em cada país por conta das
diferenças culturais de cada povo, que determinam, com base em seus valores
e normas, quais os comportamentos são aceitáveis ou não.
B) Partindo da teoria proposta por Durkheim, “é fato social toda maneira de agir fixa
ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então
ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter”.
Desta forma, percebe-se no texto como as pessoas de diferentes sociedades
adotam maneiras de agir que não são inatas, mas sim construções sociais as
quais foram incorporadas em seu processo de socialização, impostas pelas
sociedades que vivem, sem que pudessem escolher e a tal ponto, que buscam
reafirmar tais modos de agir censurando aqueles que não o fazem como eles. A
“troca de olhares” pode ser analisada a partir da teoria durkheimiana como um
fato social.
O uso do corpo pode ser considerado um fato social, na medida em que somos
educados a adotar determinados padrões de comportamento, posturas, valores
e normativas que, longe de serem inatos, são extensões dos valores sociais
comuns que incorporamos no processo de socialização por imposição,
padronizando nosso comportamento social, inclusive em relação ao corpo. Estes
comportamentos coletivos podem ser considerados fatos sociais na medida em
que são modos de agir externos aos indivíduos, comuns a todos os membros do
grupo social e atuam sobre nós de modo coercitivo, obrigando-nos a adotá-los,
independentemente de nossa vontade individual. No exemplo do texto, a troca
de olhares é normatizada de modo diferente em cada país, respeitando as
diferenças culturais, mas impondo de igual modo o comportamento socialmente
aceito a todos os indivíduos.
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