Ao quadro típico da Campanha
sul-rio-grandense corresponde um tipo humano regional característico — o
gaúcho. Surgido durante a ação contra o domínio castelhano, formado na
luta pela defesa da gleba e criado num ambiente de intensa agitação
guerreira, o gaúcho herdou de seus antepassados o temperamento ardoroso e
altivo.
O Gaúcho - Ilustração de Percy Lau |
É em pleno campo
ou na região da fronteira que êle aparece com seus costumes típicos,
seus hábitos, sua psicologia. Existe também na cidade, vivendo aí a vida
urbana, sem perder contudo o traquejo e o amor à vida campeira. O seu habitat natural é a estância, da qual é dono ou vaqueiro, capataz ou peão.
O gaúcho é o vaqueiro do Sul. Diferente, porém,
do seu irmão sertanejo, não se aparta do cavalo; este tem para êle
extraordinária importância. Nunca anda a pé. O "pingo" é o seu meio de
locomoção natural e predileto na vastidão da campina; e a importância do
cavalo não pára na sua qualidade de fator indispensável à lida do gado:
é e foi elemento valioso noB ações belicosas, quando a vitória nos
campos se decidia pela cavalaria, nos "entreveros". O "pingo" está
intimamente ligado à vida gaúcha; é um complemento do homem.
O gaúcho leva vida simples, independente e livre.
Sem morar na casa da estância, sua habitação assemelha-se a um rancho
situado no próprio campo de trabalho. A turma duma estância varia de
dezenas a centenas de homens, conforme o número de cabeças de gado.
Cada homem tem casa e alimento; do salário que
recebe, separa certa quantia para o tratamento do seu cavalo, no que é
extremamente cuidadoso.
Quanto à alimentação, o gaúcho nutre-se melhor
que o sertanejo. Seu prato regional é o churrasco, carne assada no
espeto, à qual junta salmoura, sendo a faca o único talher de que se
utiliza.
Não dispensa também o chimarrão e traz sempre a
bomba e a cuia para a bebida clássica. O chimarrão é a infusão, em água
fervente, das folhas do mate (J7ex paraguaiensis. St. Hil.) pulverizadas. O costume de apear em qualquer estância, para "matear", diz bem da hospitalidade da região.
O vestuário é característico: chapéu de couro ou
de feltro de abas largas e preso pelo "barbicacho" (jugular); sobre os
ombros, ou enrolado e amarrado ao selim, o "poncho" amplo; ao pescoço, o
lenço, geralmente de cores vivas, de nó corrediço; uma camisa de lã ou
de pano grosso; à cintura, a "guaiaca" (largo cinto) onde traz a faca em
bela bainha e a garrucha no coldre; as "bombachas" — calças largas
apertadas no tornozelo; as botas com "chilenas" e, finalmente, ao pulso,
a presilha do rebenque de várias tiras.
No trato, o gaúcho salienta-se pelos sentimentos
de honra e lealdade que conserva puros; aí se irmana ao sertanejo.
Saint-Hilaire, comparando-o com os outros habitantes do interior
brasileiro, achou-o pouco afável, talvez rude, entretanto, varonil.
Habilíssimo cavaleiro e ótimo manejador do laço, o
gaúcho, percorrendo as extensas campinas, dá maior movimento ao
ambiente. Para dominar o novilho ou touro rebelde, atira, na carreira, o
laço ou a "boleadeira", quando se não emparelha, com o animal e, de
perto, segurandò-o pela cauda, destramente o derruba.
A "boleadeira" parece ter sido inventada pelos
índios que a utilizavam para a caça e os combates. É um engenho
original; consta de um conjunto de três tiras de couro com uma bola
pesada, revestida de couro, em cada extremidade. Jogada às pernas do
animal, embaraça-lhe os movimentos, fazendo-o tombar.
O gaúcho, de ânimo belicoso, exuberante e
cavalheiresco, adora as corridas, onde aparece bem montado, e o "rodeio"
— reunião do gado, a fim de castrá-lo, marcá-lo, apartá-lo ou dar-lhe
sal. É quando então o gaúcho exibe as suas qualidades de valente e ótimo
cavaleiro.
A existência ou não do gaúcho como tipo étnico
distinto é tese a discutir-se, mas deve-se observar ser costume
chamar-se gaúcho a quem nasce no Rio Grande do Sul, quando na verdade
êle constitui tipo peculiar à Campanha. É que o termo, pela beleza do
significado, tem as honras de bom qualificativo.
O Gaúcho - Tipos e aspectos do Brasil Fonte: Biblioteca IBGE - Revista Brasileira de Geografia RBG 1940 v2_n2 Páginas 260 e 261 - Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/RBG/RBG%201940%20v2_n2.pdf Acesso em: 27/11/2012
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